Compliance obrigatório no DF causa desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos administrativos em vigência

Por Walter Segundo e Victor Athayde.

Entra em vigor no dia 08 de março de 2018 a Lei nº 6.112/2018, do Distrito Federal, que torna obrigatória a implementação do Programa de Integridade (ou compliance) em todas as empresas que celebrem determinado tipo de contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privada com a Administração Pública do Distrito Federal.

Esta exigência tem o objetivo de proteger a Administração Pública distrital de sofrer atos de corrupção, que causem prejuízos ao erário, bem como garantir a execução dos contratos com eficiência e riscos mitigados.

Assim, ficam sujeitas ao cumprimento desta obrigação as sociedades empresárias e simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

A lei distrital segue modelo semelhante ao da Lei nº 7.753/17, do Estado do Rio de Janeiro, publicada em 18 de outubro de 2017. Há, contudo, diferenças pontuais consideráveis em relação ao seu alcance.

Nos termos do seu artigo 1º, a referida obrigatoriedade aplica-se aos contratos com prazo igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias, ainda que na forma de pregão eletrônico.

O outro requisito, embora não esteja expresso no texto legal, faz referência à divisão do art. 23, da Lei 8.666/93[i], exigindo o programa de integridade das pessoas jurídicas com contratos de valores iguais ou superiores a: R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para compras e serviços, e, R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para obras e serviços de engenharia.

Ficam sujeitas à obrigação as empresas com contratos celebrados, com ou sem dispensa de licitação[ii], desde que atendidos os critérios de valor acima referidos.

O ponto mais polêmico desta lei é a imposição da adoção do Programa de Integridade para contratos já em vigência, que possuam prazo superior a 12 (doze) meses[iii]. Nesse caso, as empresas terão até o dia 06 de agosto de 2018 para implantar o Programa de Integridade[iv].

Tal dispositivo enfrentará questionamentos sobre a sua constitucionalidade, uma vez que a lei deixa claro que fica a cargo da pessoa jurídica arcar com os custos e despesas desta implantação.

Em que pese ser inequívoco o dever da empresa de arcar com o seu Programa de Integridade, esta imposição para os contratos em vigência afetará o equilíbrio econômico-financeiro inicial, em desfavor do particular, visto que, no momento da apresentação da proposta, tais custos eram imprevisíveis.

Ademais, há que se observar a garantia fundamental expressa na Constituição Federal que disciplina que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Assim, percebe-se que no caso, a lei atinge contratos administrativos em vigor (atos jurídicos perfeitos), fator de insegurança jurídica que o nosso ordenamento jurídico não comporta.

A Lei Geral de Licitações prevê que tal desequilíbrio, causado por fato do príncipe[v], enseja a alteração do contrato administrativo. Contudo, como não é razoável que a Administração Pública arque com tais despesas, o mais provável é que, com a provocação do Judiciário, a obrigatoriedade desta lei recaia apenas para propostas apresentadas após a sua publicação.

Quanto à definição do Programa de Integridade, a Lei distrital nº 6.112/2018 utilizou em seu artigo 4º a mesma definição do artigo 68 do Decreto nº 37.296/16, que já tratava do assunto no âmbito do Distrito Federal: o Programa de Integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria, controle e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública do Distrito Federal.

Em relação aos parâmetros de existência e aplicação, o artigo 6º do novo diploma distrital[vi] utilizou os mesmos parâmetros já trazidos no artigo 69 do Decreto supracitado, incluindo agora o inciso XVI, que trata de ações comprovadas de promoção da cultura ética e de integridade, por meio de palestras, seminários, workshops, debates e eventos da mesma natureza.

Importante destacar que, sobre os critérios de avaliação para microempresas e empresas de pequeno porte, as que mais figuram no Cadastro Nacional de Empresas Punidas, são reduzidas as formalidades dos parâmetros previstos neste artigo, não se exigindo padrões de conduta ética para terceiros, estrutura autônoma e independente para aplicação do Programa de Integridade, diligências apropriadas para contratações de terceiros e procedimentos de verificação prévia em fusões, aquisições e reestruturações societárias.

Caberá ao gestor de contrato administrativo fiscalizar a implantação do Programa de Integridade, sem interferência na gestão das empresas nem ingerência nas suas competências, devendo ater-se à responsabilidade de aferir o cumprimento do disposto na lei, mediante prova documental emitida pela pessoa jurídica.

Em caso de descumprimento da obrigatoriedade, ou verificado que o Programa de Integridade é meramente formal, será aplicada à empresa contratada multa de 0,1%, por dia, sobre o valor atualizado do contrato, até o limite de 10%, e justa causa para rescisão contratual, com incidência cumulativa de cláusula penal e impossibilidade de contratação da empresa com a Administração Pública do Distrito Federal pelo período de 2 (dois) anos, ou até a efetiva comprovação de implantação e aplicação do Programa de Integridade.

Por tudo que foi dito acima, notadamente por conta das sanções legais e oneração de custos contratuais, os particulares que já possuem contratos administrativos firmados com o Distrito Federal, afetados pela obrigatoriedade desta lei, devem ter atenção redobrada para se resguardarem de possíveis violações aos seus direitos.

 Em relação aos novos contratos, esta lei vem ratificar a tendência de tornar o compliance pré-requisito essencial para que particulares mantenham relações com a Administração Pública.

 

Walter Ferreira Lima Segundo é sócio-diretor da área de Direito Penal Empresarial e Compliance do Escritório David & Athayde Advogados.

Victor Athayde Silva é sócio-diretor da área de Direito Público, Ambiental e Minerário do Escritório David & Athayde Advogados.

[i] Lei 8.666/93 – Art. 23.  As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

I – para obras e serviços de engenharia:

  1. a) convite – até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais);
  2. b) tomada de preços – até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
  3. c) concorrência: acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

II – para compras e serviços não referidos no inciso anterior:

  1. a) convite – até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
  2. b) tomada de preços – até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais);
  3. c) concorrência – acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais).

[ii] Chama atenção que o legislador distrital incluiu o alcance da lei às contratações diretas por dispensa, mas não foi expresso em relação às por inexigibilidade do art. 25 da Lei Geral de Licitações. Com efeito, se a competição já é, em tese, inviável para efeito das contratações por inexigibilidade, criar mais uma condição à contratação pode torná-la impossível. Por outro lado, se o espírito da lei é que as contratações tenham plena conformidade, abriu-se espaço para que essa modalidade de contrato não tenha o mesmo controle.

[iii] Art. 2º: Aplica-se o disposto nesta Lei:

II – aos contratos em vigor com prazo de duração superior a 12 meses;

[iv] Art. 5º A implantação do Programa de Integridade no âmbito da pessoa jurídica se dá no prazo de 180 dias corridos, a partir da data de celebração do contrato ou da publicação desta Lei na hipótese do art. 2º, II.

[v] Lei 8.666/93 – Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

  • 5º Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

[vi] Art. 6º O Programa de Integridade é avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, quando aplicado, evidenciados pelo apoio visível e inequívoco ao Programa;

II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;

III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidos, quando necessário, a terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

IV – treinamentos periódicos sobre o Programa de Integridade;

V – análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao Programa de Integridade;

VI – registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;

VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e a confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiras da pessoa jurídica;

VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tais como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;

IX – independência, estrutura e autoridade da instância responsável pela aplicação do Programa de Integridade e fiscalização de seu cumprimento;

X – existência de canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;

XI – medidas disciplinares em caso de violação do Programa de Integridade;

XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;

XIII – diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

XIV – verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;

XV – monitoramento contínuo do Programa de Integridade, visando a seu aperfeiçoamento na prevenção, na detecção e no combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º da Lei federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013;

XVI – ações comprovadas de promoção da cultura ética e de integridade por meio de palestras, seminários, workshops, debates e eventos da mesma natureza.

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